CORPOREIDADE E EDUCAÇÃO

Fonte: Dra. Maria Cecília L.M. Bonacelli

 Na sociedade contemporânea, cada vez mais as pessoas se encontram por meio de interfaces em detrimento do contato físico direto, face-a-face. Esta nova condição tem, aparentemente, excluído o papel do corpo na educação. Vivemos, pois, uma desmaterialização do corpo? Acreditamos que não e ao contrário, a cada dia encontramos uma quantidade cada vez maior de estudos que tentam dar conta das suas complexas conformações educativas. Estudos sobre corporeidade e suas múltiplas linguagens e expressões, nos ajudam a compreender que ele, o corpo, é o principal instrumento de comunicação e o primeiro elo com o mundo. Aos poucos, o corpo vem se movendo da periferia para o centro das análises e interpretações.
Neste sentido, ao invés de um "esvaziamento" da presença do corpo no cenário da educação contemporânea, há que se retomar urgentemente uma corporeidade vital, condição básica de nossa existência e apreensão do mundo, e que acaba por conferir a todas as situações de educação, segundo Assmann (1998), um rico caráter de, "ecologia cognitiva", configurada como forma de ação interativa na situação de educação. Tal "ecologia" tem como perspectiva a criação-recriação do que poderíamos chamar de um "meio ambiente", favorável às efetivas experiências de aprendizagem. Esse "ambiente", por sua vez, articula em relação complexa as dimensões da corporeidade, do prazer e do aprender a aprender, construindo uma qualidade social e cognitiva para a educação. Social porque o processo educativo precisa contribuir com a formação de cidadãos que busquem uma inserção crítica no atual contexto da sociedade moderna, não acatando passivamente a lógica da exclusão e individualista do sistema econômico. E cognitiva porque é preciso formar pessoas criativas no sentido de conseguir articular elemento de superação efetiva das contradições da nova ordem mundial. Consideramos, portanto, o desenvolvimento da complexidade da estrutura humana como um processo em que o organismo e o meio exercem influência sobre o indivíduo, não separando o social do biológico. Nesta perspectiva, o sujeito constitui-se através de suas interações históricas e culturais, transformando-as e podendo também ser transformado. Completamos tal idéia com as palavras de Assmann (1996): é preciso viver a corporeidade para além do tradicional dualismo cérebro-mente, corpo-alma.
É preciso, pois, como indica Moreira (1996), lutar por uma Educação Corporal que adote como princípio uma aprendizagem humana e humanizante, na qual o homem em sua complexidade estrutural possa ser fisiológico, biológico, psicológico e antropológico. A corporeidade é, existe e por meio da cultura possui significado. Daí a constatação de que a relação corpo-educação, por intermédio da aprendizagem, significa aprendizagem da cultura. "Corpo que se educa é corpo humano que aprende a fazer história fazendo cultura".
Nosso engajamento na Educação Motora tem por princípio a busca da relevância dessa disciplina no contexto da Educação Escolar, que se materializa numa revisão de valores em que: o corpo-objeto ceda lugar para o corpo-sujeito da Educação Motora;
- o ato mecânico no trabalho corporal ceda lugar para o ato da corporeidade consciente da Educação Motora; - a busca frenética do rendimento ceda lugar para a prática prazerosa e lúdica da Educação Motora;- a participação elitista que reduz o número de envolvidos nas atividades esportivas ceda lugar a um esporte participativo com o grande número de seres humanos festejando e se comunicando na Educação Motora; - o ritmo padronizado e uníssono da prática de atividades ceda lugar ao respeito ao ritmo próprio executado pelos participantes da Educação Motora.
O ser humano distingue-se das outras criaturas, além de vários fatores, por ser capaz de expressar o pensamento através do movimento, intencionalmente, por ser capaz de perceber o outro e o mundo através do movimento. A percepção é o nosso modo de crescer e ser mais comprova que o ser humano não é somente um ser biológico, mas que tem criatividade sente prazeres, é lúdico, criador e inventor do próprio mundo.
A Educação Motora, tem, portanto condições de oferecer um aprendizado completo, educativo, quando se trabalha o corpo como um todo: o sensório, o motor, a percepção corporal, numa inter-relação dinâmica com o ambiente, como colocado por Freire (1995).
Sabe-se hoje que a ciência e a tecnologia têm grandes influências em ditar modelos corporais. A busca por um corpo saudável, escultural, forte e sadio tem lotado as academias e clubes. Devemos, portanto, abandonar o modelo tradicional em relação às atividades físicas que tem sua atenção voltada ao corpo-objeto, reduzindo as práticas corporais apenas para o rendimento, na padronização dos gestos, na reprodução de valores e quantificação de resultados, e debruçarmo-nos nos aspectos relacionados ao corpo-sujeito, à corporeidade, pois não podemos separar nossas histórias das nossas ações, somos biológicos e sociais, e isto é tão óbvio que às vezes nos passa despercebido. 

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